terça-feira, 5 de maio de 2009

Grita..




Amor,

quando chegares à minha fonte distante,

cuida para que não me morda tua voz de ilusão:

que minha dor obscura não morra nas tuas asas,

nem se me afogue a voz em tua garganta de ouro.

Quando chegares, Amor

à minha fonte distante,

sê chuva que estiola,

sê baixio que rompe.

Desfaz, Amor, o ritmo

destas águas tranquilas:

sabe ser a dor que estremece e que sofre,

sabe ser a angústia que se grita e retorce.

Não me dês o olvido.

Não me dês a ilusão.

Porque todas as folhas que na terra caíram

me deixaram de ouro aceso o coração.

Quando chegares, Amor

à minha fonte distante,

desvia-me as vertentes,

aperta-me as entranhas.

E uma destas tardes - Amor de mãos cruéis -,

ajoelhado, eu te darei graças.



Pablo Neruda

in "Crepusculário"

Tradução de Rui Lage

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