sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009



"... Não é um vicio não, é uma vingança. Acontece quando acordo a meio da noite e estico os braços à procura e não sei que estou só.
A cama é grande e só do meu lado está desfeita.
Acordo à procura do corpo que faz falta e só tenho o meu que está a mais. Fecho os olhos, como se já não estivessem fechados, e o que está dentro de mim é uma ânsia.
Então chegam imagens de um corpo antes de saber que é o dele. Um corpo não, pedaços de um corpo, pequenas alucinações.
Duas mãos começam a agarrar-me as ancas e uma boca a bafejar-me a cara.
É ele que fala. Ouço dizer-me as coisas que me diz e calo-me. Ouço-o chamar os nomes que me chama e eu não vou. Começo a desfazer-me para que me faça. O corpo que eu toco não é de ninguem.
Quando não basta repete, quando não basta repito. E depois ha uma coisa que vem de muito longe e não quer acabar de vir. Vem a mim, que eu não consigo ir a ela.
Estou comigo. Não é um corpo não. É um fugir. Um barulho. Qualquer coisa assim que vem, que agarra e passa. Um bicho. Não é um corpo não, porque os não há.
às vezes ouço-me gritar, ou julgar que grito e depois fico quieta como se corresse perigo.
Começo a pensar nele e acabo a pensar em mim, os cabelos desfeitos, uma ânsia sem fim. "


In Pedro Paixão
Vida de Adulto

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