"Uma mão aberta, um tronco, os olhos que se esquivam por detrás de um espelho.
Se não fosse o branco das paredes tudo sucumbiria.
Mas quem fala sobre o branco, sobre o lugar onde a mão larga agarra o tronco?
Só o que se partilha cresce.
Nada de mais próximo, nada de mais distante do que duas almas que se amam.
Destrói a tua casa e constrói um barco, digo-te.
Os teus cabelos negros são os laços que me atam e desatam, que me arrastam.
Bicho do mar, ave subitamente esvoaçando no ar, tu ergues-te sobre a minha melancolia.
A tua boca é a minha entrada para a asfixia.
Porque vagueias tu pelo deserto em busca do vento?
Porque persegues a tua sombra?
Não encontrarás essa vida que procuras, porque nada permanece.
Do longe chega uma vontade de chorar sem que se saiba o motivo.
O tempo, que tudo promete ao esquecimento, quando virá ele em meu auxílio?
O teu corpo, luz sobre a cama.
A escuridão chegará de um momento para o outro e tu perdes-te,
minha amada, sobre os lençóis num sono que enche a noite.
Enroscada como um animal perigoso que ao menor toque atacaria, a luz dos olhos fechada sob as
pálpebras docemente descidas.
Ainda se vê, no escuro, o seu fulgor.
Não sei onde está aquela que eu persigo, por onde se passeia, erguida e nítida, quais os desejos de
que se alimenta e os prazeres de que se constrói.
Não sei que paisagens a acolhem, que língua humana fala.
O teu corpo despido, estendido a meu lado, preste o ataque.
Tão frágil que me impede de lhe tocar.
Um imenso desejo.
A noite toma-te sem fazer perguntas. (...)"
In Pedro Paixão
Amor Aflito
Deus criou o mundo porque gosta de historias
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