quinta-feira, 21 de maio de 2009

"É provável que ainda a ame"





"É provável sim, é provável que ainda a ame,

que ame ainda nela o que antes soube amar,

a cabeleira escura, o ventre inquietante,

o peito guardando a alegria de um coração solar.


Os meus olhos profundos sempre a contemplaram

visivelmente perturbados, até mesmo perdidos,

quando ela caminhava abrindo rasgões no ar

que se fechavam depois à sua passagem

para cingir-lhe os braços, os seios e as ancas.


A sua boca tremeu na minha com a sede da musica

e o seu contacto era o do musgo e da cinza

e dessas cerejas maduras pelo lume de Maio.


Não sei se estou a endeusá-la ou se ela é uma deusa.

Não sei mesmo se conseguirei dizer dela quanto gostaria.

Ela está tão perto do meu corpo que a minha pele se acende

e tão longe dos meus olhos que só poderei lembrá-la.


Fizémos muito amor e sempre muitas vezes

sem que entre nós esvoaçasse uma mínima sombra.

Quando ficávamos tristes, é que o espanto crescia

até ao minuto primeiro da tristeza.


É uma mulher maravilhosa, o seu nome que importa?,

tão fragil como um menino inocente, assim desamparada,

correndo para a loucura como antes correu para os meus braços.


Nenhuma paixão poderia doer-me mais.

Nenhuma ternura poderia mimar-me tanto.


O meu poema é uma casa erguida com a sua beleza

onde ela entra e de onde sai e algumas vezes se demora.


Poderei dizer que o meu coração é uma sala vazia?


A sua recordação ainda me perturba e disso tenho consciência.


Amo-a ainda ou não a amo já, é impossivel dizer,

mas é provável, sim, é provável que ainda a ame. "


Joaquim Pessoa

4 comentários:

Vicente Caldas disse...

oi linda. Ao ler esse poema, não pude deixar de me idenficar dentro dessa circunstância. O que ontem era uma certeza de desejo e alegria, hoje sem nenhuma explicação lógica é um vazio indolor, um desemcantamento, como se um feitiço se quebrasse. Dizer adeus às ilusões, principalmente as que pareciam tão reais, é demasiadamente frustante. bjs

Feiticeira disse...

Sim Vicente, mas eu ainda Acredito... que devemos deixar o desejo que guardamos no coração, ser o nosso projecto de vida, apesar de tudo ser demasiado efemero nesta vida...


Bjinho

Anónimo disse...

A gente faz amor como se a morte doesse mais que a vida e é mentira.

(Joaquim Pessoa)

Feiticeira disse...

A morte doi, e pode doer muito... ate ao "limite" se é que existem limites... a vida .. esssa vai doendo... muito e por vezes pensamos ate quando aguentaremos...

No entanto, fazer amor, assim ... é para se "sentir a vida"...
Existe um dualismo grande, neste sentir do Pessoa... Niilista, por excelencia, na minha opinião.

Bem - Vindo...Anónimo... sejas tu quem fores...