"É provável sim, é provável que ainda a ame,
que ame ainda nela o que antes soube amar,
a cabeleira escura, o ventre inquietante,
o peito guardando a alegria de um coração solar.
Os meus olhos profundos sempre a contemplaram
visivelmente perturbados, até mesmo perdidos,
quando ela caminhava abrindo rasgões no ar
que se fechavam depois à sua passagem
para cingir-lhe os braços, os seios e as ancas.
A sua boca tremeu na minha com a sede da musica
e o seu contacto era o do musgo e da cinza
e dessas cerejas maduras pelo lume de Maio.
Não sei se estou a endeusá-la ou se ela é uma deusa.
Não sei mesmo se conseguirei dizer dela quanto gostaria.
Ela está tão perto do meu corpo que a minha pele se acende
e tão longe dos meus olhos que só poderei lembrá-la.
Fizémos muito amor e sempre muitas vezes
sem que entre nós esvoaçasse uma mínima sombra.
Quando ficávamos tristes, é que o espanto crescia
até ao minuto primeiro da tristeza.
É uma mulher maravilhosa, o seu nome que importa?,
tão fragil como um menino inocente, assim desamparada,
correndo para a loucura como antes correu para os meus braços.
Nenhuma paixão poderia doer-me mais.
Nenhuma ternura poderia mimar-me tanto.
O meu poema é uma casa erguida com a sua beleza
onde ela entra e de onde sai e algumas vezes se demora.
Poderei dizer que o meu coração é uma sala vazia?
A sua recordação ainda me perturba e disso tenho consciência.
Amo-a ainda ou não a amo já, é impossivel dizer,
mas é provável, sim, é provável que ainda a ame. "
Joaquim Pessoa
4 comentários:
oi linda. Ao ler esse poema, não pude deixar de me idenficar dentro dessa circunstância. O que ontem era uma certeza de desejo e alegria, hoje sem nenhuma explicação lógica é um vazio indolor, um desemcantamento, como se um feitiço se quebrasse. Dizer adeus às ilusões, principalmente as que pareciam tão reais, é demasiadamente frustante. bjs
Sim Vicente, mas eu ainda Acredito... que devemos deixar o desejo que guardamos no coração, ser o nosso projecto de vida, apesar de tudo ser demasiado efemero nesta vida...
Bjinho
A gente faz amor como se a morte doesse mais que a vida e é mentira.
(Joaquim Pessoa)
A morte doi, e pode doer muito... ate ao "limite" se é que existem limites... a vida .. esssa vai doendo... muito e por vezes pensamos ate quando aguentaremos...
No entanto, fazer amor, assim ... é para se "sentir a vida"...
Existe um dualismo grande, neste sentir do Pessoa... Niilista, por excelencia, na minha opinião.
Bem - Vindo...Anónimo... sejas tu quem fores...
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