" Não é um vício, não, é uma vingança.
Acontece quando acordo a meio da noite e estico os braços à procura e não sei que estou só.
A cama é grande e só do meu lado está desfeita.
Acordo à procura do corpo que faz falta e só tenho o meu que está a mais.
Fecho os olhos, como se já não estivessem fechados, e o que está dentro de mim é uma ânsia. Então chegam imagens de um corpo antes de saber que é o dele.
Um corpo não, pedaços de um corpo, pequenas alucinações.
Duas mãos começam a agarrar-me as ancas e uma boca a bafejar-me a cara.
É ele que fala.
Ouço dizer-me as coisas que me diz e calo-me.
Ouço-o chamar os nomes que me chamam e eu vou.
Começo a desfazer-me para que me faça.
O corpo que eu toco não é de ninguém.
Quando não basta, repete, quando não basta repito.
E depois há uma coisa que vem de muito longe e não quer acabar de vir.
Vem a mim e eu não consigo ir a ela.
Estou comigo.
Não é um corpo, não.
É um fugir.
Um barulho.
Qualquer coisa assim que vem, que agarra e passa.
Um bicho.
Não é um corpo não, porque os não há.
Às vezes ouço-me gritar, ou julgar que grito e depois fico quieta como se corresse perigo.
Começo a pensar nele e acabo a pensar em mim,
os cabelos desfeitos,
uma ânsia sem fim. "
In: Vida de Adulto - Pedro Paixão
2 comentários:
Bonito....
Obrigado...
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