sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Amor Aflito



"Uma mão aberta, um tronco, os olhos que se esquivam por detrás de um espelho.


Se não fosse o branco das paredes tudo sucumbiria.


Mas quem fala sobre o branco, sobre o lugar onde a mão larga agarra o tronco?


Só o que se partilha cresce.


Nada de mais próximo, nada de mais distante do que duas almas que se amam.


Destrói a tua casa e constrói um barco, digo-te.

Os teus cabelos negros são os laços que me atam e desatam, que me arrastam.


Bicho do mar, ave subitamente esvoaçando no ar, tu ergues-te sobre a minha melancolia.


A tua boca é a minha entrada para a asfixia.


Porque vagueias tu pelo deserto em busca do vento?


Porque persegues a tua sombra?


Não encontrarás essa vida que procuras, porque nada permanece.


Do longe chega uma vontade de chorar sem que se saiba o motivo.


O tempo, que tudo promete ao esquecimento, quando virá ele em meu auxílio?

O teu corpo, luz sobre a cama.


A escuridão chegará de um momento para o outro e tu perdes-te,


minha amada, sobre os lençóis num sono que enche a noite.


Enroscada como um animal perigoso que ao menor toque atacaria, a luz dos olhos fechada sob as


pálpebras docemente descidas.


Ainda se vê, no escuro, o seu fulgor.


Não sei onde está aquela que eu persigo, por onde se passeia, erguida e nítida, quais os desejos de


que se alimenta e os prazeres de que se constrói.


Não sei que paisagens a acolhem, que língua humana fala.


O teu corpo despido, estendido a meu lado, preste o ataque.


Tão frágil que me impede de lhe tocar.


Um imenso desejo.


A noite toma-te sem fazer perguntas. (...)"




In Pedro Paixão

Amor Aflito

Deus criou o mundo porque gosta de historias





Sem comentários: