domingo, 8 de fevereiro de 2009

As palavras estão gastas, meu amor!


"Já gastámos as palavras pela rua,

meu amor,

e o que nos ficou não chega para afastar o frio de quatro paredes.

Gastámos tudo menos o silêncio.

Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,

gastámos as mão à força de as apertarmos,

gastámos o relógio e as pedras das esquinas em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.

Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!

Era como se todas as coisas fossem minhas:

quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!

e eu acreditava.

Acreditava, porque ao teu lado todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,

no tempo em que o teu corpo era um aquário,

no tempo em que os meus olhos eram peixes verdes.

Hoje são apenas os meus olhos.

É pouco, mas é verdade,

uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.

Quando agora digo: meu amor...,

já se não passa absolutamente nada.

E no entanto, antes das palavras gastas,

tenho a certeza de que todas as coisas estremeciam só de murmurar o teu nome no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.

Dentro de ti não há nada que me peça água.

O passado é inútil como um trapo.

E já te disse: as palavras estão gastas. "

Adeus.

(Eugénio de Andrade)

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